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A prova pericial no novo CPC e reflexos em erros médicos

29 de Setembro de 2017
Como se sabe, a prova pericial é cabível, no âmbito do processo civil, quando mostrar-se indispensável o emprego de conhecimento técnico ou científico para elucidar algum fato controvertido e processualmente relevante, isto é, um fato que não esteja ao alcance do conhecimento acumulado por pessoa de cultura comum[1].
 
Assim, na grande maioria das demandas que envolvem direito médico, a utilização desse meio típico de prova faz-se necessária, dado que habitualmente o julgador encontra-se diante de questões repletas de enorme tecnicidade e que só podem ser respondidas à luz de um acurado exame pericial, a ser realizado, normalmente, por profissional da medicina.
 
Ordinariamente, consoante se extrai do art. 373 do CPC/2015, incumbe ao paciente-autor comprovar os fatos constitutivos do seu direito, razão pela qual deverá aportar aos autos os elementos capazes de demonstrar a conduta ilícita do médico ou do hospital, quais sejam: o dano, o nexo causalidade e, eventualmente, a culpa (negligência, imprudência, imperícia). Ao hospital ou médico incumbe, segundo o mesmo dispositivo legal, a prova dos fatos extintivos, impeditivos e modificativos do direito do autor.
 
É bem verdade que a necessidade de distribuição isonômica do ônus probatório tem conduzido à inversão do encargo de provar em matéria de direito médico, uma vez que se verifica um enorme desequilíbrio entre as partes nesse tipo de demanda. Seja como for, entendemos que, para a aferição da suposta falta médica, faz-se necessária a realização de perícia por profissional de medicina, devido à enorme tecnicidade que escapa aos conhecimentos do magistrado.
 
Justamente em razão da essencialidade deste meio de prova como fonte legitimadora da decisão judicial no ramo do direito médico, soa necessário destacar que o novo CPC passou a estabelecer alguns requisitos essenciais de validade da prova técnica, dentre os quais encontra-se a necessidade de “indicação do método utilizado” pelo experto.
 
Portando, o operador do direito que vivencia diariamente as especificidades das demandas que envolvem erro médico, sub-ramo do direito civil intimamente ligado a este meio típico de prova, precisa assimilar o quão imprescindível é o esclarecimento do método científico utilizado pelo perito. E mais, que ao expert cabe a necessária comprovação de que tal metodologia é predominantemente aceita pelos especialistas da respectiva área do saber (CPC/2015, art. 473), de forma a agregar legitimidade ao respectivo laudo técnico apresentado em juízo. Isso, evidentemente, não é satisfeito pela mera transcrição descontextualizada de literatura médica ou pela simples relação das referências bibliográficas (às vezes desatualizadas) que pretensamente oferecem suporte às conclusões do laudo.
 
Sobre o tema, ensina Fredie Didier Jr.:
 
 
 
“O CPC estrutura a produção da prova pericial considerando a necessidade de um controle jurisdicional mais efetivo sobre a perícia. Parte-se da premissa de que permitir a avaliação livre do juiz sobre a prova pericial, no que diz respeito a sua cientificidade ou sua tecnicidade, poderia conduzir ao que se chama ‘junk science’, isto é, uma falsa ciência.
 
Daí o estabelecimento de critérios objetivos que auxiliem o juiz no controle da perícia, de modo a assegurar seja trazido ao processo jurisdicional conhecimento seguro e confiável, ‘no sentido de representar de maneira fidedigna aquilo que é aceito pelos especialistas da área’.
 
No Brasil, o controle da prova é feito pelo juiz no momento da valoração da prova e explicitando na fundamentação da sentença. O CPC-2015 dá ênfase à necessidade de o controle judicial da perícia começar antes da sua realização. Por isso, cabe ao juiz avaliar previamente não só a sua necessidade, utilidade, viabilidade e licitude, como também exigir que o perito ‘indique e comprove suas especialidades e a capacidade para auxiliar no acertamento dos fatos técnico-científicos’ (arts. 156, 157, 465, § 2º, II, 473, CPC).
 
E mais, o juiz brasileiro, no exercício do poder atribuído pelo art. 371 do CPC, avalia a cientificidade do resultado da perícia, a confiabilidade do laudo, buscando, para tanto, dados não-jurídicos, como a ‘aceitação ou recusa do método perante os especialistas’. Daí a exigência legal de que o perito traga ao processo dados necessários para a aferição de sua capacidade técnica (antes da perícia) e elementos que se refiram à confiabilidade do método empregado (no bojo do laudo pericial).
 
A falta de um controle da prova pericial deste viés configura vício na fundamentação, apto a conduzir à nulidade da sentença judicial.”[2]
 
 
 
Também inova o legislador ao estabelecer que a fundamentação do laudo deve se dar em linguagem simples, de forma a desestimular qualquer tipo de divagação técnica excessivamente complexa e que acabe por não elucidar as questões técnicas para o qual fora designada a prova pericial[3]. De fato, o laudo tem de cumprir sua função, que é analisar questões de fato cuja complexidade escapa ao conhecimento do juiz. Mas isso não quer dizer que ele deve consistir em um tratado científico, compreensível apenas ao técnico, mas não ao homem comum. Por isso, “é necessário que seja didático, concatenado e externe a conclusão do perito com rigor técnico, preocupando-se, todavia, com a plena intelecção dos destinatários do documento” [4]. Para que tudo isso seja possível, “dispõe a norma processual que o objeto da perícia deve ser descrito de forma minudente, assim como a análise técnica ou científica que em seu bojo se procedeu”[5].
 
Tudo isso revela que o dever de fundamentação, explicitado dentre o rol de princípios fundamentais do NCPC (arts. 11 e 489, § 1º), não se limita às decisões judiciais, permeando também as manifestações periciais.
 
Por certo, o legislador pretendeu evitar o resultado nocivo de uma possível má interpretação do juízo decorrente de laudos obscuros, não didáticos e equívocos. Ora, em que pese o juízo não esteja necessariamente atrelado às conclusões do laudo pericial ao realizar seu julgamento (art. 479 do NCPC), corolário lógico do princípio do livre convencimento motivado[6] (art. 371 do NCPC), ordinariamente, a conclusão deste meio de prova interfere decisivamente na formação de sua convicção a respeito dos fatos controvertidos objeto da demanda.
 
Na busca da decisão mais justa e adequada, o NCPC também inova ao possibilitar que o juízo nomeie “órgãos técnicos ou científicos” (art. 156, §1º), superando a limitação normativa que na égide da legislação anterior só lhe permitia a nomeação de profissional, pessoa física. Com efeito, agora lhe é conferido o poder de nomear como perito pessoas jurídicas, como instituições universitárias de medicina e institutos de pesquisa aplicados ao estudo da ciência afeta aos fatos a serem esclarecidos (ex.: gastrenterologia ou cardiologia).
 
Nesse caso, de forma a evitar qualquer nulidade resultante de eventual motivo de impedimento ou de suspeição, o órgão técnico ou científico nomeado para realização da perícia informará ao juiz os nomes e os dados de qualificação dos profissionais que dela participarão.
 
O próprio art. 156 do NCPC traz outra novidade, ao prever que, seja qual for a opção do juízo, deverá suprir sua necessidade junto ao cadastro mantido pelo Tribunal ao qual o juiz encontra-se vinculado (art. 156, §1º). Apesar de a existência de tais cadastros já fazer parte da rotina de diversos tribunais brasileiros, o legislador tornou indispensável a sua utilização pelo magistrado. Dentre os motivos que levaram o legislador a estabelecer a obrigatoriedade de vinculação do juízo, está a possibilidade de se controlar e avaliar as atividades do perito.[7]
 
No caso de inexistência de tal cadastro, “a nomeação do perito é de livre escolha pelo juiz” (art. 156, § 5º). Nesse caso, a investidura do perito deverá observar os critérios referidos alhures, recaindo sobre “profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia”.
 
Quanto à habilitação do profissional, o NCPC não reproduziu a regra que previa a necessidade de o perito possuir nível universitário e ser registrado no órgão de classe competente, presente no Código anterior (CPC/1973, art. 145, § 1º), a qual já vinha sendo relativizada pelo STJ quando o conhecimento saber do expert fosse compatível com o trabalho a ser realizado.[8] Obviamente, esta alteração legislativa não deve ser interpretada como um instrumento de incentivo à nomeação de peritos sem qualquer capacitação para trabalhos que exijam a habilitação técnica necessária[9].
 
Por fim, não menos importante referir que o NCPC passou a franquear às partes a possibilidade de nomeação consensual de perito. Trata-se de espécie de negócio processual típico, que dá materialidade à regra constante do art. 190 do NCPC. Para tanto, as partes deverão ser plenamente capazes e a causa necessariamente deve tratar de direito que admita a autocomposição. De fato, não são raras as vezes em que as partes possuem melhor condição do que o juízo de indicar quais são os profissionais mais capacitados à realização da perícia.
 
Percebe-se, pois, que o NCPC trouxe inúmeras inovações no que toca à prova pericial, todas elas capazes de refletir uma estrutura coesa e sistemática que busca refletir os influxos da Constituição Federal sobre o processo, de forma que possamos qualificá-lo como instrumento justo.
 
Essa nova realidade, representada pelas mudanças expostas, não pode fugir do conhecimento do operador do direito, sobretudo em se tratando de demandas que envolvam o erro médico, dado a especificidade impar deste ramo do direito, que a todo o momento lida com a literatura médica, tornando as partes e o juízo extremamente dependentes do laudo pericial do profissional de medicina especializado.

Fonte: JOTA
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